A Calabria, no sul da Itália, não é um rota turística muito comum. Para nós, brasileiros, por causa da imigração, existe uma ligação maior dado o número de habitantes desta região que veio para cá nos séculos 19 e 20. Eu mesma tenho sangue calabrês em minhas veias por parte do meu avô paterno. O valor sentimental foi reforçado pelo casamento e por ter ido tanta vezes lá, por causa dos meus sogros.
Esta viagem, a "descoberta" ficou por conta da Tenuta Ceraudo, na pequena Strongoli, vizinha a Crotone, cidade onde minha sogra ficou hospitalizada e acabou falecendo. O motivo, que não era um dos mais felizes, acabou se convertando em um dia de verdadeiro oásis em meio a uma propriedade lindíssima com oliveiras e vinhedos centenários, um restaraurante estrelado e uma família acolhedora.
Sim, como manda a boa tradição italiana, a alma de um lugar corresponde a de seu dono. Neste caso, o nosso anfitrião Roberto. Ele poderia ter sido apenas mais um agricultor da região ou até se tornando um médico, advogado como seus irmãos. Porém, ele vislumbrou um sonho em um pequeno pedaço de terra que comprou com um empréstimo bancário tendo uma garantia do governo.
Naquela época, tinha vacas leiteiras e vendia sua produção para uma cooperativa. Mas, queria mais. Sabia que aquela terra poderia lhe render vinhos e azeites de qualidade devido a sua posição geográfica perto do mar e com uma temperatura amena a maior parte do ano. E assim o fez, escolhendo uvas autóctones (que podem ser definidas como nativas, ou originárias de uma certa região ou país) e outras mais populares como a cabernet. Hoje, tem 15 espécies diferentes nos 60 hectares de terra, onde cultiva 200 mil pés entre vinhas, árvores frutíferas, oliveiras e horto que chama, carinhosamente, de filhos.
Tais "filhos" tem um diferencial que também é obra de um grave acidente. A produção da Ceraudo é 100% orgânica. Isso porque, na ânsia de cuidar de seu tesouro, Roberto aplicava pesticida sozinho. Em uma destas aplicações, o receptor acabou quebrando e seu corpo ficou encharcado de veneno. Mas, o trabalho não podia parar e passou o dia todo sem perceber o perigo que corria. Já a noite, os efeitos colaterais começaram a aparecer e o resultado foi mais de 10 dias de UTI com envenenamento profundo na pele que atingiu os seus órgãos. Ao sair do hospital, tomou a decsião de nunca mais usar nenhum tipo de agrotóxico em suas terras.
Com muita pesquisa feita em bibliotecas, feiras, consultores, pensa que estamos falando na década de 80, começou a produzir os melhores vinhos orgânicos da Calabria que, realmente, me impressionaram. Toda essa história, ele conta, pessoalmente, em um passeio a bordo de seu trator com direito a desgutação sobre a colina onde se avista de todo a sua propriedade. No giro, podemos ainda observar as oliveiras de 1600 anos que estão agora em processo para se tornarem patrimônio histórico pela Unesco.
Depois deste passeio, era hora de se preparar para o jantar no restaurante Dattilo, uma estrela Michelin. No comando, esta a filhas mais nova, a timida Caterina. Enquanto, ela comanda as panelas, a irmã circula pelo salão, explicando os pratos e fazendo a harmonização com os vinhos locais. O menu degustação poder ser de 6 ou 9 pratos sem a rigidez de um cardápio único. Com isso, conseguimos experimentar várias delícias.
Como não poderia deixar de ser, os menus são desenvolvidos procurando utilizar produtos sazonais, provenientes da horta cultivada organicamente, pelos agricultores e pescadores da zona, no melhor estilo quilômetro zero.
Um outro ponto alto é a hospedagem. São seis suítes elegantemente decorados com objetos de design em contraste com o campo e a construção de 1600. Passar o dia por ali, observando o ritmo da natureza, as colheitas e o trabalho do dia a dia é um experiência absolutamente prazerosa. Roberto conseguiu criar essa atmosfera com muita simpatia e profissionalismo. Um outra feito, talvez o seu maior, é ter os três filhos por perto para continuar seu legado: o amor pela terra.
O imperdível canolo
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